“Palavra e Vida” com o padre Amarildo Luciano – Santo Afonso: advogado aos 16 anos

“Palavra e Vida” com o padre Amarildo Luciano – Santo Afonso: advogado aos 16 anos

23 de novembro de 2021 0 Por redação

Santo Afonso: advogado aos 16 anos

Pe. Amarildo Luciano, CSsRVice-Provincial Redentorista, comunicador e mestrando em teologia

Os professores de Afonso viam nele “um espírito de perfeita finura, uma inteligência penetrante, uma memória tão rápida para registrar quanto tenaz para reter, uma natureza dócil e ávida do saber”. É nesse terreno que o pai de Afonso semeia a sua esperança de glória social. E há de vê-lo brilhando um dia nos tribunais de Nápoles. Verá que a semente jogada ao chão, passada pelo processo natural de morrer, nasce em forma de pequena árvore com condições de dar frutos. E o cultivo é a condição para uma boa colheita, por isso ele contrata muitos operários, aliás, os melhores operários para regarem o espírito do menino Afonso. São os melhores professores do Reino. Afonso estudará direito. Brilhará nos tribunais. O pai assim o quis e assim ele o será.

Os anos de 1708-1713 são os anos da universidade de Afonso. Sobre um fundo de guerra longínqua. Sob a pressão um pouco afrouxada de um pai um tanto mais ausente. Das trinta cátedras que comportam os Studi Publici, as faculdades de direito açambarcam onze: cinco para o direito canônico e seis para o direito civil. Depois do tribunal romano, nunca houve na Europa uma ordem dos advogados mais numerosa, mais poderosa, mais rica, mais considerada do que a de Nápoles.

Diante das capacidades intelectuais de seu filho, o senhor José de Ligório não podia ambicionar outra coisa para ele. A cultura jurídica era a avenida que levava aos postos de comando e aos ministérios. O senhor José resolve que seu filho será advogado.

Afonso, então, passa a ter como mestre: Domingos Aluísio (1639 – 1717), decano da faculdade de direito civil, “um homem universal nas línguas e nas ciências”; Nicolau Caravita, conselheiro da Câmara Real, professor de direito feudal, para o qual corriam os próprios magistrados e advogados; Gennaro Cusano e Nicolau Capasso, da faculdade de direito canônico, que partilham o ensino das Decretas dos papas: dois homens cujo saber e pensamento atraíam uma multidão de jovens. Eis o mundo de Afonso.

Durante o tempo dos estudos, Afonso não se ocupou de outra coisa a não ser dos estudos. Evidentemente que ele estudou outros assuntos que não diziam respeito diretamente com a área do direito, mas que ajudavam a formar o homem brilhante intelectualmente. Ele não teve, portanto, tempo para brincar, para viver a sua infância. Sua vida foi sempre séria demais. Somada a sua formação rigorosa com o exemplo de um pai militar, Afonso não suportará a moleza e por isso imporá sempre sobre si mesmo exigências muito severas.

Quase todas as pessoas que falam sobre Afonso, mormente sobre a sua infância, não deixam de mencionar a história do dia que o menino brincou. Ele pediu ao pai para jogar baralho com os coleguinhas da vizinhança e recebeu a sua autorização. Acontece que, como geralmente se verifica, o tempo que se passa brincando parece ser diferente do tempo que se passa estudando ou trabalhando. Talvez Albert Eistein, com a sua teoria da relatividade, explique isso de maneira que possamos compreender. Nessa noite, quando se colocava a jogar baralho, na casa do vizinho senhor Carlos Cito, como passara de 1 hora jogando, ao voltar, encontra seu quarto feito uma biblioteca de baralho, substituindo os livros. Quando entra no quarto, surpresa! Mas seu pai está atrás dele: “São esses os seus estudos, exclama; aqui estão os autores que o tornam tão exato no horário”. Afonso enrubesce, sem uma palavra. Paciência, domínio de si, respeito pelo pai.  Podemos dizer que foi essa pedagogia do terror que o fez tão vigilante quanto ao tempo. Mas tarde, ele fez o voto de jamais perder tempo.

O jovem Afonso concluiu seus estudos prematuramente com a idade de 16 anos. É mais ou menos com essa idade que hoje os nossos jovens começam os seus estudos superiores.

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Na véspera de seu exame final, Afonso obterá um atestado de duas testemunhas que confirmavam sua assiduidade efetiva às aulas. Esses dois atestados, obrigatórios, Afonso os obterá devidamente jurados e assinados aos 17 de janeiro de 1713 por seu primo Francisco M. Cavalieri e seu amigo Conrado Capace. No dia seguinte, 18 de janeiro, Afonso atestará com juramento, em favor desse primo Cavalieri, que eles “estudaram juntos, por cinco anos, a legislação civil e canônica nos Studi Publici e sob os professores públicos desta fidelíssima Cidade”; e assinará com uma caligrafia firme e bela: “Eu, senhor Afonso de Ligório”.

Afonso era todo aplicação, gosto pelo estudo, apetite de saber. E tinha em seu pai um estimulante impelindo-o sem descanso. Podemos dizer que ele não tinha espaço para acolher a acomodação, haja vista que o modelo de vida que lhe era passado pelo pai eram os estudos. Hoje precisamos oferecer todas as condições necessárias que o jovem precisa para viver as fases distintas da sua formação humano-cristã. O estudo para quem está em formação inicial, usando as terminologias de hoje, e o trabalho, para quem já abraçou a missão permanente, são as exigências da missão de todos os Redentoristas.

Se o senhor José e dona Ana faziam questão que seu filho brilhasse nas letras e fosse um perfeito cristão, queriam vê-lo ornado também com a cultura que constitui o fidalgo acabado. Desde sua infância lhe proporcionam a domicílio professores de desenho, um para a pintura, o outro para a arquitetura. O senhor José escolheu a especialização no gauche; Afonso se tornará um virtuoso da gravura. Até em sua velhice. Com mão que não treme. Talvez aqui esteja uma indicação para quem aspira a vida Redentorista. Quanto mais se aprende, mais recurso se tem para aplicar na missão do anúncio do Cristo Redentor.

Mas o senhor José também era doido por música. Queria então que seu filho também fosse músico exímio. Afonso tinha, portanto, de se exercitar, no quarto, com o mestre, três horas por dia. O pai assistia habitualmente a lição. Caso estivesse ocupado, punha aluno e professor trabalhando, fechava-os à chave e ia para seus negócios.

Submetido por seu pai a um esforço intelectual e artístico, Afonso só terá saboreado com a ponta da língua sua infância e juventude.

No dia 21 de janeiro de 1713, Afonso é declarado advogado. “Unanimemente, sem uma única voz discordante”, esse menino – ainda tem o aspecto e o tamanho de uma criança – é proclamado Doutor. Doutor dos tribunais de Nápoles. Um dia seria declarado Doutor da Igreja. Mas isso é outra história.