Coluna “Palavra e Vida” com o padre Amarildo Luciano – EM QUE CREEM OS QUE NÃO CREEM?
9 de agosto de 2021EM QUE CREEM OS QUE NÃO CREEM?
Pe. Amarildo Luciano CSsR – Vice-Provincial Redentorista, comunicador e mestrando em teologia
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Já faz bastante tempo que li um livro com esse título: Em que creem os que não creem? Na época eu estava iniciando meu ministério sacerdotal e trabalhava em Coari no Amazonas. O livro é um conjunto de cartas trocadas entre Umberto Eco, famoso filósofo e escritor italiano, e o cardeal Carlo Maria Martini, então arcebispo emérito de Milão.
Eles abordam a questão da insegurança, da tristeza e da opressão que vivemos, apesar de tantos avanços científicos. Quanto mais temos informações sobre o que aconteceu na história do Homem e do que hoje acontece em cada canto do mundo em tempo real, mais nos submetemos a sistemas de domínio que usam a emoção e a descrença como mecanismos de controle sutis. E esses mecanismos funcionam devido à nossa ignorância em compreender o funcionamento de nossa mente e a importância de nossa visão existencial para nossa autonomia na vida.
Os sistemas político e econômico não mais nos subjugam pela falta de informações ou pelo poder do saber técnico-científico como no passado. Hoje eles usam a fragilidade de nossa pouca autonomia emocional e a descrença e insegurança provocadas pela falta de competência das pessoas em acreditar nas leis que coordenam a vida e o funcionamento do Universo, leis essas que ainda não conhecemos, mas que se expressam claramente na evolução do Cosmos. Leis que nossa intuição alcança e compreende, mas que, como nossa mente racional ainda não consegue explicar, resistimos em aceitar.
Vivemos na era da informação rápida, das imagens instantâneas. Sabemos de quase tudo o que acontece nos quatro cantos do mundo, mas não sabemos o que acontece ao nosso redor, no nosso prédio, na nossa comunidade e nem dentro de nós mesmos. A tecnologia nos tornou dependentes, encurtou distâncias, mas não nos aproximou uns dos outros e nem de Deus.
Os autores não desprezam a evolução tecnológica nem pregam uma volta romântica à era agrícola. Hoje sabemos que a evolução do universo é inexorável e temos que aproveitar tudo que foi criado em benefício da humanidade para prosseguir sempre avançando para patamares mais altos de sabedoria e da consciência humana. Não há porque voltar. Mas podemos retomar, com o evoluído olhar de hoje, coisas fundamentais que podemos ter perdido na busca por mais conhecimento novo e fazermos correções de rota. Retornarmos para dar força a um novo impulso.
Em que creem nossos jovens? E qual o papel da escola nesse novo contexto? Qual o papel da Igreja? Há espaço para Deus na agenda sobrecarregada de afazeres a que estamos tentando cumprir?
Escolas católicas estão perdendo espaço no competitivo mercado da educação. Por quê? Porque não conseguem competir com as grandes redes de educação que criam um mundo surreal para uma classe privilegiada que pode investir muito na formação de seus filhos. Mas, e os valores cristãos? Ainda são úteis para as famílias? Quando vão sentir falta e se dar conta do que estamos desprezando?
Em que creem os que não creem? Pessoas boas simplesmente optam por não crer em Deus ou, de fato, Deus não lhes diz nada? Quem são seus “deuses?
Como dialogar com os ateus? O que está provocando o ateísmo? Qual a responsabilidade da família, da Igreja e da sociedade nessa crescente onda de indiferentismo religioso?
Deus está sendo pregado e tomado como um produto que satisfaz a desejos pessoais e nao como o Pai que nos ama a todos e nos chama a viver em comunidade, que assiste a seu povo e o levanta das quedas para que possa caminhar. Somos mesmo peregrinos neste mundo.
O mundo parece viver uma sede de Deus. Políticos se fingem de religiosos para parecerem mais humanos, agradam falando de família, mas agem contra os valores fundamentais do discipulado cristão. Em que crem os políticos e religiosos que estabelecem uma relação promíscua com o poder?
“Sei em quem coloquei a minha fé”, dizia São Paulo. E nós, em quem acreditamos?